Superhero Hater



Muitos me perguntam o porquê de minha aversão aos super-heróis. 

Durante minha adolescência sofri muito bullying no colégio, nos arredores de casa, et cetera, sendo freqüentemente ridicularizado e, por vezes, humilhado publicamente. 

Mesmo em casa as ocorrências de bullying eram quase rotineiras, e ainda piores eram as constantes depreciações à obra de minha autoria, sem mencionar todas as rotineiras tentativas de sabotagem. 

Freqüentemente alguém me atazanava por não estar dentro dos padrões. 

Não por acaso, as piores armas de represália eram os “depreciadores de Lênin”. 

Eram super-heróis concebidos dentro dos padrões conservadores, e lutavam em defesa do “politicamente correto”. 

O pior de tudo foi quando um depreciável professor de artes cênicas (muito do chantagista) tentou me pressionar para que eu aceitasse um super-herói na saga de minha autoria (em substituição ao protagonista vilão), e como não cedi ao argumentum ad baculum (sem mencionar muito de um argumentum ad consequentiam) sofri humilhação tamanha que me despertou um profundo ódio pelos super-heróis. 

Aquele chantagista ainda tentou se justificar com muito argumentum ad populum, que teve decorrências ainda piores. 

Apesar de tudo o dragão de Komodo albino emergiu vitorioso, para escárnio de todos aqueles que tentaram substitui-lo por um super-herói. 

E os depreciáveis “depreciadores de Lênin”? 

Conforme eles não conseguiram retirá-lo de circulação, apesar das tentativas e de tudo o mais, desapareceram como se jamais houvessem sido criados.

Como era de se esperar, minha trama se tornou a antítese de uma narrativa trivial.

Uma narrativa trivial se caracteriza por ser incapaz de apreender (ou mesmo explicar) a natureza contraditória e complexa da realidade.

Toda narrativa trivial tem como protagonista um herói (ou super-herói) cuja função básica é sempre a mesma: ser o (imbatível) defensor da lei, que por sua vez está a favor do governo e da estrutura vigente na sociedade.

A própria lei nunca é discutida ou questionada de qualquer forma.

De acordo com Muniz Sodré em seu livro “Best-seller: A Literatura de Mercado” (1985), “o herói  tem a mesma invencibilidade do sol, que entra e sai das sombras sem que nada possa alterar o poder de seu brilho.”

Nas narrativas triviais, o herói é uma constante: é aquele com o qual o receptor se identifica para se sentir forte, poderoso, vencedor, etc., sensações que sua realidade não lhe proporciona. A presença do herói é importante no trivial, simplesmente porque ele sempre defende a lei e a “justiça”, as quais representam a “ordem” vigente.

Ele pode ser de diferentes tipos, mas é sempre aquele que restabelece algo que foi violado: uma lei é transgredida, o herói encontra o transgressor, este é punido e ele recompensado.

A divisão entre o bem (representado pelo herói) e o mal (representado pelo transgressor), é rígida e maniqueísta.

O que o herói trivial faz é legitimar o sistema vigente: ele defende a ordem da sociedade da forma como está estruturada e, para mantê-la, é autorizado a tomar medidas extremas, até mesmo matar (caso haja “necessidade”).

Tudo o que o herói faz, inclusive seus excessos, é justificado em prol do bem comum.

Nada do que ele faz costuma ser questionado.

A estrutura da sociedade e suas leis nunca são questionadas.

Pelo contrário, o herói sempre defende a “ordem” da sociedade vigente.

Quem ousa subverter ou questionar tal “ordem” é o vilão, o representante do mal.

Como representante do bem e salvador da sociedade, o herói é admirado e idolatrado.

Ele faz coisas impossíveis para que o receptor da narrativa possa ver o resultado que espera, algo que dificilmente vê na realidade.

No final sempre dá tudo certo e o herói é sempre o vencedor.

De acordo com Flávio René Kothe, autor de “A Narrativa Trivial” (1994), o herói da narrativa trivial é um pseudo-herói: apenas aparentemente ele arrisca sua vida; de fato, sabe-se de antemão que ele vencer no final.

Quanto mais este herói é um pseudo-herói, tanto mais se necessita fazer deste um super-herói.

Quanto mais fracos forem os homens em uma sociedade, mais eles necessitam de super-heróis, e mais super-heróis eles recebem para se manterem fracos.

Eles aparentemente correm grandes perigos e somente no último instante salvam o dia (assim como a eles próprios), um resultado que atende às expectativas do espectador ou leitor, pois corresponde à poética normativa e ao código do gênero.

Apesar dos perigos que corre em seu dia-a-dia, é assegurado que no fim tudo dará certo.

Que tudo dê certo é o que mais deseja o instinto de sobrevivência.

Por outro lado, observa-se um implícito sonho de justiça e de valorização dos mais fracos, o que por sua vez é transferido para a fantasia.

O automatismo do trivial nada mais é do que um conservadorismo.

O happy ending é a restauração da situação anterior à transgressão, deixando implícita a tese de que a felicidade está na manutenção do status quo (o que está plenamente correto para aqueles que são beneficiados).

Lênin é a antítese de onze dentre dez super-heróis, simplesmente por ser muito de um super-vilão e estar fazendo muito das suas.




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